Houve uma mudança. O atentado de sábado (14), em Mogadíscio, capital da Somália, ganhou uma repercussão maior do que outros no continente africano. As mais de 300 vítimas que morreram por causa de duas explosões, uma delas de um caminhão-bomba, foram lembradas na França. A Torre Eiffel ficou iluminada em homenagem a elas.
Mesmo com uma repercussão um pouco maior, a ocorrência, porém, nem de longe recebeu da mídia o mesmo destaque de atentados com menos vítimas realizados no chamado mundo ocidental.
Neste ponto, a situação não mudou. Bastaria, para constatar isso, imaginar como seria a repercussão de uma explosão em Nova York, Paris, Londres ou alguma outra cidade do Ocidente, que deixasse pelo menos 300 mortos.
Por dias, os perfis das vítimas, o histórico do terrorista, a estratégia do ataque, o mapa do local seriam esmiuçados em textos e gráficos na grande imprensa.
As redes sociais se inundariam, ficariam congestionadas de mensagens a respeito do drama.
No caso das mortes em atentados como o de Mogadíscio, salvo exceções, elas são mais relatadas como números. Distantes números de um distante país que nada tem a ver, neste tipo de visão, com a rotina nas grandes cidades europeias e americanas.
Este certamente é um motivo para o maior desinteresse em relação a este tipo de acontecimento que, apesar de tão grave quanto, é diluído pela sensação de distanciamento.
Também a menor logística das empresas de comunicação nestas regiões, onde quase não há correspondentes, inclusive em função de um frágil sistema de segurança, contribui para que este tipo de ataque na África e na Ásia chegue a nós como uma história surreal de um mundo que não é o nosso.
Em 2001, eu estava na África no momento em que houve o gigantesco atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos. Acabara de decolar no aeroporto de Johannesburgo e só fiquei sabendo do ocorrido quando cheguei ao Brasil.
Desembarquei em um aeroporto de Guarulhos completamente confuso, com os funcionários, aturdidos, deixando os passageiros pegarem suas malas e ultrapassarem a alfândega sem nenhuma revista.
Foi uma espécie de efeito contrário. O susto gerou um total relaxamento, momentâneo, na segurança.
Gabo-me até hoje de que, enquanto saía com as malas, ao lado de companheiros de viagem, eu ser o único a saber quem era Osama Bin-Laden.
Sabia que ele fora o organizador de dois atentados que explodiram as embaixadas dos Estados Unidos no Quênia e na Tanzânia, matando 256 pessoas e ferindo outras 5100 e que também não tiveram tanta repercussão na época.
Mas a dor maior, eu pensava enquanto voltava pela marginal completamente parada, não era pela rede terrorista que assusta o mundo e que tem raízes em todos os lugares.
Al-Shabab, o grupo acusado de ter sido o autor dos crimes em Mogadíscio, e Al-Qaeda são uma coisa só, por exemplo. Dizem até que há relação do grupo na Somália com o Estado Islâmico.
No táxi, o motorista só mudava de estação. Todas as rádios só falavam da tragédia americana, sem interrupções. Isso se repetiu por pelo menos um mês.
Enquanto eu ouvia os relatos, pensava que a dor maior foi, pela primeira vez, constatar que as vítimas do Quênia e da Tanzânia eram reais.
A lágrima de seus familiares, a opressão da perda, a angústia, o fim desesperador dessas histórias se refletiram, emergiram novamente, de forma idêntica, pelos escombros das Torres Gêmeas, atingidas por dois aviões.
Ressurgiram nos órfãos dos bombeiros, nos parentes dos funcionários do Pentágono, que deixaram uma parte deles mesmos enterrada naquele dia.
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O pânico foi tanto que, quando cheguei em casa, minha mãe caiu em um intenso choro de felicidade ao me ver. “Mas eu estava na África!”, eu disse. E ela retrucou, meio sem pensar. “É a mesma coisa!”.
Naquele momento, não cravaria que estávamos entrando em uma nova era. As perguntas eram muitas, como são até hoje.
Mas a partir de então, quando passamos a viver sob as ordens da desconfiança e da turbulência, cada um desses atentados, mais do que a mensagem dos terroristas, reforça o valor inestimável que emana de todos os seres humanos, em qualquer lugar que estejam.
Eles só vêm para me confirmar que a minha mãe tinha toda a razão.
Por Eugênio Goussinsky
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